A Torre dos Loucos


Título original: Narrenturm
Autor: Andrzej Sapkowski
Nº de páginas: 544
Editora: Saída de Emergência
Chancela: Bang!

Sinopse
«O fim do mundo não chegou no ano de 1420 de Nosso Senhor, embora não faltassem indícios de que viria.
Reinmar de Bielau, conhecido como Reynevan, é médico e, de acordo com alguns, charlatão. Enamorado pela bela e fogosa Adèle, vive com ela momentos de paixão, até ser surpreendido pelos irmãos do marido traído.
Obrigado a fugir de casa, rapidamente percebe que o perigo não está só à sua frente… esconde-se igualmente atrás de si. Perseguido pelos irmãos Stercza e pela Santa Inquisição, Reynevan dá por si em Narrenturm, a Torre dos Loucos.
A Torre é um abrigo para os loucos, ou para aqueles que ousam pensar de forma diferente e desafiar a ordem estabelecida. Escapar da Torre, evitando o conflito à sua volta, e manter a própria sanidade pode revelar-se um desafio muito maior do que Reynevan alguma vez imaginou.»

Opinião
A partir de um prólogo que situa a obra na arcana Silésia do século XV e nas suas instáveis fronteiras, eis que se apresenta Reynevan, um jovem médico que vive de acordo com as próprias regras. Dotado não só para a medicina, mas também para as artes da sedução e do oculto, Reynevan é capturado num momento de insensatez que arrisca ser a sua perdição. Daqui desenrola-se uma acção de vingança que, pelo caminho, encontra outros propósitos à mercê de outros protagonistas. Embora nem sempre a clarividência abone a favor de Reynevan, é certo que o seu passado é crucial na resolução dos vários problemas em que sucessivamente tropeça, fruto de uma ameaça incógnita que se alimenta na obscuridade. 

Na verdade, Reynevan serve como mero fio condutor de uma narrativa que se edifica além deste. É uma personagem com o seu desenvolvimento limitado pela ingenuidade e imprudência, que o tornam demasiado previsível e, consequentemente, insípido aos olhos do leitor. Seja ou não intencional, o facto é que os intervenientes ditos secundários avançam para os holofotes, dominando a acção na sua irreverência, secretismo e humor. Particularmente Sharlei, Sansão e Horn, companheiros fortuitos na aventura de Reynevan, demonstram que mesmo a presença mais breve pode brilhar quando bem executada. Considero este trio o melhor e mais robusto elemento do livro, ainda repleto de potencial a explorar. 

Atente-se à particularidade deste se tratar de um texto ambientado na Europa medieval povoada por conflitos religiosos entre as igrejas católica e hussita, pelo que a base histórica é fulcral para o enredo. O clima de tensão, bem como a violência e a intolerância dos tempos, espelham fielmente os acontecimentos que precedem a queda da influência romana no Ocidente. Porém, importa sublinhar que a fusão de história e fantasia impõe um desafio constante de confronto entre realidade e especulação, sobretudo devido a algumas lacunas que o autor preencheu com a sua liberdade criativa. Por outro lado, a abundância de detalhes factuais por vezes arrasta a leitura, tornando-a desnecessariamente densa, embora acresça rigor geográfico, linguístico e histórico. No que concerne aos elementos da fantasia, estes são bem conseguidos, enriquecendo a experiência aos apreciadores deste género literário.

Outro aspecto com especial impacto é o carácter de aventura que atravessa a narrativa, através de um acompanhamento constante das personagens na sua demanda itinerante. Desta forma, consegue-se uma obra dinâmica e sinuosa, em que a surpresa se estabelece como o seu alicerce. Paradoxalmente, é nesta incessante novidade que se perde o arco narrativo com o desvanecimento do objectivo principal. Emerge uma noção de que subsiste um propósito por desvendar mais premente que tudo o resto, porventura propositadamente ocultado pelo autor para noutro momento da trilogia usá-lo como trunfo.

A Torre dos Loucos constitui, portanto, um promissor começo de saga. Sustentado por personagens secundárias sólidas que elevam um narrativa compacta e incessante, embora errática, oferece uma intrigante e equilibrada perspectiva do enlace entre história e fantasia. Sapkowski dispõe de campo fértil para novas aventuras e desventuras que aguardo com expectativa.

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