Autora: Marion Zimmer Bradley
Nº de páginas: 272
Editora: Saída de Emergência
Colecção: Bang!
Sinopse
«Nos anos que se seguem à coroação do rei Artur, a rainha Gwenhwyfar continua as suas manipulações para assegurar a lealdade do seu marido à igreja cristã, enquanto a sacerdotisa Viviene decide confrontar Artur pelo ato de traição contra Avalon.
Nos bastidores, Morgaine planeia o casamento de Lancelet, que ameaça sucumbir ao desespero pelo triângulo amoroso em que se vê enredado. Quando a rainha Gwenhwyfar descobre esse plano, jura vingança. Morgaine, através do seu próprio casamento, dedica-se a fortalecer a causa de Avalon. As sacerdotisas da Ilha das Brumas tudo farão para competir pela alma da Grã-Bretanha contra a maré insurgente da Cristandade. Mas que efeitos terá a chegada do jovem Gwydion, filho de Morgaine e Artur? Irá correr em auxílio do rei ou libertar o caos?»
Opinião
O fanatismo pela religião, mais precisamente a obsessão de Gwenhwyfar pelo seu Cristo, dominou o enredo do volume anterior, A Rainha Suprema, com resultados potencialmente fatais para Avalon. Desta fé gerava-se um fogo capaz de apagar quaisquer vestígios do mundo envolto em brumas, condenando-o à insignificância e esquecimento. Contudo, se o movimento cristão pensava que Avalon assumiria de livre vontade a resignação à sua vontade ao mesmo tempo que assistiria à degradação do que outrora fora a fonte de Vida do mundo, perdendo para sempre o poder da Deusa sobre a humanidade, então a verdade não poderia ser mais contraditória. Avalon ergue-se das brumas e em secretismo forja planos grandiosos, implacáveis como nunca antes ousara pôr em prática.
Esta terceira parte de As Brumas de Avalon vem atestar que a história construída por Marion Zimmer Bradley não é apenas um mero acaso da literatura fantástica. O potencial que os anteriores volumes sugeriam é aqui completamente sustentado por uma obra minuciosamente trabalhada quer a nível de enredo, quer a nível literário. Em O Rei Veado, exploram-se todas as possibilidades de sucesso e derrota das suas personagens e em como isso modificaria não só a realidade da Bretanha, mas essencialmente a realidade da vida humana.
O conflito entre religiões toma uma nova dimensão, portanto, quase transformando-se num conflito político. Embora ainda não tenha começado a grande guerra entre Pagãos e Cristãos, os preparativos estão quase concluídos à medida que as estratégias são delineadas sem deixar susceptibilidades que possam apontar ao fracasso. Percebe-se que Avalon está determinada a alcançar os seus objectivos. Depois da traição inesperada que deitou por terra o que estava quase cumprido, desta vez não vacilará perante nenhum obstáculo. O que está em jogo é mais que poder de governar, pois o que significa controlar e subjugar multidões quando não há capacidade para transmitir o verdadeiro conhecimento, o intocável e ancestral ideal que sacerdotisas e druidas veneraram durante eras de modo a unir irrevogavelmente o homem e mulher aos Deuses, numa relação sincera de entrega total, tão bela quanto a natureza?
Morgaine volta a estar comprometida nesta tarefa, depois de se ter afastado das suas origens e ter atendido de perto as vontades da corte em Camelot. Com a sua revolta apaziguada pela necessidade que lhe se impõe, Morgaine regressa aos poucos ao que outrora fora e atinge uma maturidade incrível. Ainda assim, Morgaine está sempre assolada por dúvidas e incertezas que o próprio leitor consegue identificar como as suas. Deste modo, Morgaine é a personagem mais racional de todas, a primeira que confronta o facto de que já não existe um bem por que lutar e um mal por combater. Existem interesses, cada um justificado pelos meios a que se recorre para o atingir. Apesar de já admirar Morgaine, por esta razão tornou-se a minha personagem favorita. Foi bom recordar que, por detrás da sacerdotisa, existe uma mulher bem intencionada que pretende acima de tudo fazer prevalecer os valores mais importantes naqueles que estão corrompidos pela cegueira de poder. Se, por um lado, há o privilégio de estar novamente a seguir Morgaine, por outro surge uma grande perda de uma figura enigmática que conferia a esmagadora parte do misticismo desta obra. É devido a essa personagem que a Bretanha se moveu e avançou para um reino pacífico, que agora é posto em causa. A falta desta figura é sentida, e as suas repercussões numa outra personagem são evidentes. Não obstante, não fosse este acontecimento, por ventura tudo teria sido diferente. Também Gwenhwyfar continua a ter destaque, juntamente com Arthur, mas quanto a estes não se notam modificações. A rainha continua com a sua inquebrável fidelidade à religião e nada do que acontece consegue alterar a sua opinião, nem mesmo um episódio que transtorna profundamente o seu âmago. O que é certo é que tendo o poder da palavra perante o rei, consegue influenciá-lo e triunfar a sua vontade como anteriormente fizera. Ainda assim, é notável algum carácter por parte de Arthur que, ocasionalmente, reflecte sobre a sua vida e o seu papel enquanto Rei Supremo.
Esta volta a ser uma obra de mulheres, apesar de todas as referências bélicas que se interpõem e de certas ocasiões em que é evidente a influência do masculino sobre o feminino. De facto, quem se senta no trono é Arthur e é ele quem comanda as suas legiões. Contudo, quem tem o verdadeiro poder de acção e quem faz melhor uso da sua inteligência são aquelas que sabem que são escutadas ou que, aparentando estar sob o comando do homem, na verdade usam essa máscara para o desafiar e, no fim, conseguir vencer. Perante esta implacabilidade a autora consegue, ainda assim, fazer sobressair a sensibilidade que emana de uma alma feminina ao evidenciar a forma como a mulher encara e entende o mundo à sua volta.
Outras temáticas surgem com o adensar das relações entre as personagens, sendo a principal novidade a homossexualidade. O que é impressionante é que esta não é encarada como uma condição controversa ou ignóbil, mas antes um motivo de conflito interior por representar um entrave à total entrega sentimental. Por outras palavras, Bradley põe no mesmo patamar homossexualidade e heterossexualidade como sendo duas opções completamente viáveis desde que sustentem a existência de um verdadeiro amor - o que, no século passado, altura em que esta obra foi dada a conhecer, seria algo impensável. Além disso, este livro está repleto de questões que incidem na condição humana e nos seus valores, como o poder da decisão e as implicações do livre arbítrio, o sacrifício pessoal por uma causa em que se acredita ou ainda a virtude inexplicável dos laços sentimentais em detrimento da importância dos laços de sangue.
A nível da narração, Bradley conseguiu, com breves e encantadoras descrições, suceder acontecimento após acontecimento a um bom ritmo que se manteve constante. É, até agora, a parte de As Brumas de Avalon em que mais e maiores eventos tomam lugar. O foco da narrativa salta entre vários cenários, não se focando apenas em Camelot ou Avalon, dando a conhecer outros locais e personagens. Não é de admirar que se chegue às últimas páginas sem se dar por isso.
Com a intensidade e profundidade que O Rei Veado nos enreda, despoleta-se uma vontade imensa de seguir para a próxima e última parte desta extraordinária e aliciante história. Prevê-se um fim épico, de proporções estrondosas para a trama e respectivas personagens. Seja isso o que, efectivamente, acontecerá ou não, As Brumas de Avalon já é uma obra de culto que vale a pena conhecer por todos aqueles que gostem de uma história bem fundamentada, dotada de elementos únicos e de um toque pessoal de uma autora que não se impede de surpreender o seu leitor.
Ainda não li, mas vou começar a ler, porque a sua opinião esta muito interessante!! Gostei!! :)
ResponderEliminarOlá :)
EliminarAconselho vivamente esta saga. É uma história fantástica com personagens ainda mais surpreendentes.
Obrigado por passar pelo Refém das Letras ;)
Ois,
ResponderEliminarGrande comentário, até me deu vontade de voltar a ler as Brumas, que já li á uns anitos e me ajudou a criar hábitos de leitura.
Acho que não vais ficar em nada desiludido com o final da saga, mas depois vejo o teu comentário :)
Já li várias coisas sobre a lenda e o mito do Rei Artur, sugiro que leias o Ciclo Pendragon do Stephen Lawhead e a trilogia Crónicas dos Senhores da Guerra do Bernard Cornwell, também editado pela SDE, seguramente que irás gostar :)
Abraço e boas leituras
Olá Fiacha :)
EliminarMuito obrigado pelas tuas palavras! É o que eu digo, bons livros merecem sempre bons comentários.
Espero, realmente, ficar assoberbado pelo final da saga, estou tão curioso que não vejo a hora de lhe pôr a mão em cima!
Quanto aos livros que mencionaste, ainda não conheço o Ciclo Pendragon, mas já tenho o primeiro da trilogia do Bernard Cornwell. Talvez seja a minha próxima leitura!
Abraço e, claro, boas leituras! ;)
Ois,
EliminarSurpreendido com o final, isso tenho a certeza que sim :D
Fazes muito bem, esses sim muito bons sobre a Idade das Trevas ;)
O fim deste livro deixa muitas possibilidades... Além disso, as personagens parecem-me cada vez mais imprevisíveis e determinadas. Vamos ver o que virá :)
EliminarAbraço!