Título original: The Book Thief
Autor: Markus Zusak
Nº de páginas: 468
Editora: Editorial Presença
Colecção: Grandes Narrativas
Sinopse
«Quando a morte nos conta uma história temos todo o interesse em escutá-la. Assumindo o papel de narrador em A Rapariga que Roubava Livros, vamos ao seu encontro na Alemanha, por ocasião da segunda guerra mundial, onde ela tem uma função muito activa na recolha de almas vítimas do conflito. E é por esta altura que se cruza pela segunda vez com Liesel, uma menina de nove anos de idade, entregue para adopção, que já tinha passado pelos olhos da morte no funeral do seu pequeno irmão. Foi aí que Liesel roubou o seu primeiro livro, o primeiro de muitos pelos quais se apaixonará e que a ajudarão a superar as dificuldades da vida, dando um sentido à sua existência. Quando o roubou, ainda não sabia ler, será com a ajuda do seu pai, um perfeito intérprete de acordeão que passará a saber percorrer o caminho das letras, exorcizando fantasmas do passado. Ao longo dos anos, Liesel continuará a dedicar-se à prática de roubar livros e a encontrar-se com a morte, que irá sempre utilizar um registo pouco sentimental embora humano e poético, atraindo a atenção de quem a lê para cada frase, cada sentido, cada palavra.
Um livro soberbo que prima pela originalidade e que nos devolve um outro olhar sobre os dias da guerra no coração da Alemanha e acima de tudo pelo amor à literatura.»
Opinião
Que as palavras podem ter uma força imensurável e avassaladora, disso não há dúvida. O seu poder é, no entanto, na maioria das vezes subestimado e deturpado, com consequências nefastas. Aqui temos um exemplo enquadrado num desses momentos da História em que as palavras foram um punho ardente na mancha da sociedade, devastando mais que as armas, acendendo a chama do ódio onde este nem sequer existia. É nessas alturas que também se põe em questão a verdadeira essência das palavras e, como tal, a essência da humanidade. É irónico que seja através da morte que, neste livro, se encontre essa essência intimamente relacionada com a vida. Com este paradoxo, atinge-se uma narrativa tão imprevista quanto fascinante, desvendando sob um olhar claro e inocente a razão de ser ao invés de existir - na qual as palavras são um agente imprescindível quando nascem do local certo e com o propósito certo.
A escolha da morte para narrar esta história foi o aspecto que mais me intrigou desde o início. Dar voz ao que é mudo e encanto ao que é devastador parece incongruente. Na verdade, torna-se uma provocação ao bom senso que, por regra, tende a rejeitar e abafar qualquer aspecto relacionado com a morte. Contudo, depressa se torna claro que a escolha é adequada. Quando a própria morte nem entende o seu papel neste mundo, quando a morte tem mais vida que a própria vida, existe um erro massivo no comportamento humano. Com um tom poético e suave, a morte cria uma empatia com o leitor e fá-lo viajar entre a beleza de partir e a angústia de ficar num mundo governado por mentes negras. Mas a morte também nos apresenta uma história de beleza no caos da Alemanha nazi. É a história de alguém que encontrou na sua vida as palavras e, por sua vez, fez das palavras a sua própria vida. É a história de uma menina e da relação que constrói com o mundo à sua volta num relato de ousadia e compaixão que toca até ao último suspiro.
Liesel é, depois da morte omnipresente, o centro da narrativa. Se a noção da morte carrega consigo peso, a presença de Liesel carrega o oposto. Leveza, luz e inconsciência. Na abertura de um cenário desprovido de beleza humana, Liesel é um ponto de esperança, uma força inesperada e inesquecível. Com Liesel, o leitor depreende-se com a magnificência da vida, da integridade e importância das coisas simples, mas fundamentais ao comum dos mortais. Esquecemo-nos, entretanto, que é a morte que nos conduz por este caminho infindável de letras que culmina num destino vazio. Enquanto a vitalidade e obstinação de Liesel não vacilam, deparamo-nos com outras personagens igualmente ricas e belas. Rudy, amigo de Liesel, é um sol em dias de tempestade que faz brotar a felicidade e o lado menos sério de Liesel, num elo que se forja pelo inquebrável poder da compaixão expresso não pelas palavras, ironicamente, mas antes pela genuinidade do olhar e das decisões. Porém, a maior cumplicidade está na relação entre Liesel e o seu pai, Hans. Uma família que é imposta pelas circunstâncias políticas e sociais depressa se aproxima daquilo que consta um lar, um sentimento de pertença e de amor. Com a ajuda das palavras, este lar cresce e solidifica-se para formar uma história única, feita de risos, lágrimas, ímpasses imprevistos e música, reunindo com encanto uma colecção de episódios que farão parte de memórias vivas. É, portanto, com este conjunto de personagens tão peculiares e cativantes que o leitor preenche o seu âmago nesta leitura que parece linear, contudo tão impregnada de complexidade.
Com um pano de fundo real já tão explorado na ficção, este livro divergiu dos sentidos que são normalmente atribuídos à temática da Segunda Guerra Mundial. Não é apresentado um relato do ponto de vista das vítimas óbvias nem se estabelece uma obra literalmente bélica. O contexto é, sem dúvida, preponderante para o desenvolvimento da trama e é o que traça o destino das personagens, mas o facto de o foco incidir sobre um conjunto de figuras que se encontram no lado "certo" do jogo da Alemanha nazi torna ainda mais evidente que a subjugação era transversal a todos e o sofrimento que daí advinha igualmente atravessava tanto uns, como outros, de uma forma ou de outra. Em tempos de guerra, é impossível escapar ao frenesim da marcha que prossegue cega e imparável num só trilho, varrendo tudo o que encontra no caminho como uma torrente louca.
Zusak tem um dom brilhante. A sua escrita é profunda conforme é leve, ao mesmo tempo simples e tocante. Perfumada com o toque da metáfora e de uma breve ironia, atreve-se a procurar a verdade crua com beleza. É, ainda assim, com grande fluidez que a narrativa corre demarcando a sua mensagem no leitor a cada capítulo. A luta do narrador torna-se a nossa luta. A demanda pelo entendimento, pela razão do que acontece e porque acontece invade a nossa mente sem respostas possíveis. De facto, até no cenário mais improvável, Zusak invoca o intangível para corroborar que o pior conspirador da vida como a conhecemos é o próprio humano no seu anseio por algo maior - mas não melhor.
Um livro que fala à alma. Um livro que revela a importância dos livros e do conhecimento, do poder das palavras e do significado que atribuímos às coisas. Um livro sobre a vida no seu esplendor e horror, a inocência e a absoluta consciência. Afinal, como podia a mesma coisa ser tão horrível e tão gloriosa? É simples. É complexo. É assim que nascemos. É assim que morremos. O que verdadeiramente importa está em saber aproveitar o tempo que temos e vivê-lo. Intensamente. A Rapariga Que Roubava Livros conseguiu atingir-me e inspirar-me a descobrir a essência que comanda a vida, através desta magnífica capacidade que só nós, humanos, temos de comunicar com palavras. É fascinante pensar que poderá causar a mesma impressão em tantos outros como eu.
Que as palavras podem ter uma força imensurável e avassaladora, disso não há dúvida. O seu poder é, no entanto, na maioria das vezes subestimado e deturpado, com consequências nefastas. Aqui temos um exemplo enquadrado num desses momentos da História em que as palavras foram um punho ardente na mancha da sociedade, devastando mais que as armas, acendendo a chama do ódio onde este nem sequer existia. É nessas alturas que também se põe em questão a verdadeira essência das palavras e, como tal, a essência da humanidade. É irónico que seja através da morte que, neste livro, se encontre essa essência intimamente relacionada com a vida. Com este paradoxo, atinge-se uma narrativa tão imprevista quanto fascinante, desvendando sob um olhar claro e inocente a razão de ser ao invés de existir - na qual as palavras são um agente imprescindível quando nascem do local certo e com o propósito certo.
A escolha da morte para narrar esta história foi o aspecto que mais me intrigou desde o início. Dar voz ao que é mudo e encanto ao que é devastador parece incongruente. Na verdade, torna-se uma provocação ao bom senso que, por regra, tende a rejeitar e abafar qualquer aspecto relacionado com a morte. Contudo, depressa se torna claro que a escolha é adequada. Quando a própria morte nem entende o seu papel neste mundo, quando a morte tem mais vida que a própria vida, existe um erro massivo no comportamento humano. Com um tom poético e suave, a morte cria uma empatia com o leitor e fá-lo viajar entre a beleza de partir e a angústia de ficar num mundo governado por mentes negras. Mas a morte também nos apresenta uma história de beleza no caos da Alemanha nazi. É a história de alguém que encontrou na sua vida as palavras e, por sua vez, fez das palavras a sua própria vida. É a história de uma menina e da relação que constrói com o mundo à sua volta num relato de ousadia e compaixão que toca até ao último suspiro.
Liesel é, depois da morte omnipresente, o centro da narrativa. Se a noção da morte carrega consigo peso, a presença de Liesel carrega o oposto. Leveza, luz e inconsciência. Na abertura de um cenário desprovido de beleza humana, Liesel é um ponto de esperança, uma força inesperada e inesquecível. Com Liesel, o leitor depreende-se com a magnificência da vida, da integridade e importância das coisas simples, mas fundamentais ao comum dos mortais. Esquecemo-nos, entretanto, que é a morte que nos conduz por este caminho infindável de letras que culmina num destino vazio. Enquanto a vitalidade e obstinação de Liesel não vacilam, deparamo-nos com outras personagens igualmente ricas e belas. Rudy, amigo de Liesel, é um sol em dias de tempestade que faz brotar a felicidade e o lado menos sério de Liesel, num elo que se forja pelo inquebrável poder da compaixão expresso não pelas palavras, ironicamente, mas antes pela genuinidade do olhar e das decisões. Porém, a maior cumplicidade está na relação entre Liesel e o seu pai, Hans. Uma família que é imposta pelas circunstâncias políticas e sociais depressa se aproxima daquilo que consta um lar, um sentimento de pertença e de amor. Com a ajuda das palavras, este lar cresce e solidifica-se para formar uma história única, feita de risos, lágrimas, ímpasses imprevistos e música, reunindo com encanto uma colecção de episódios que farão parte de memórias vivas. É, portanto, com este conjunto de personagens tão peculiares e cativantes que o leitor preenche o seu âmago nesta leitura que parece linear, contudo tão impregnada de complexidade.
Com um pano de fundo real já tão explorado na ficção, este livro divergiu dos sentidos que são normalmente atribuídos à temática da Segunda Guerra Mundial. Não é apresentado um relato do ponto de vista das vítimas óbvias nem se estabelece uma obra literalmente bélica. O contexto é, sem dúvida, preponderante para o desenvolvimento da trama e é o que traça o destino das personagens, mas o facto de o foco incidir sobre um conjunto de figuras que se encontram no lado "certo" do jogo da Alemanha nazi torna ainda mais evidente que a subjugação era transversal a todos e o sofrimento que daí advinha igualmente atravessava tanto uns, como outros, de uma forma ou de outra. Em tempos de guerra, é impossível escapar ao frenesim da marcha que prossegue cega e imparável num só trilho, varrendo tudo o que encontra no caminho como uma torrente louca.
Zusak tem um dom brilhante. A sua escrita é profunda conforme é leve, ao mesmo tempo simples e tocante. Perfumada com o toque da metáfora e de uma breve ironia, atreve-se a procurar a verdade crua com beleza. É, ainda assim, com grande fluidez que a narrativa corre demarcando a sua mensagem no leitor a cada capítulo. A luta do narrador torna-se a nossa luta. A demanda pelo entendimento, pela razão do que acontece e porque acontece invade a nossa mente sem respostas possíveis. De facto, até no cenário mais improvável, Zusak invoca o intangível para corroborar que o pior conspirador da vida como a conhecemos é o próprio humano no seu anseio por algo maior - mas não melhor.
Um livro que fala à alma. Um livro que revela a importância dos livros e do conhecimento, do poder das palavras e do significado que atribuímos às coisas. Um livro sobre a vida no seu esplendor e horror, a inocência e a absoluta consciência. Afinal, como podia a mesma coisa ser tão horrível e tão gloriosa? É simples. É complexo. É assim que nascemos. É assim que morremos. O que verdadeiramente importa está em saber aproveitar o tempo que temos e vivê-lo. Intensamente. A Rapariga Que Roubava Livros conseguiu atingir-me e inspirar-me a descobrir a essência que comanda a vida, através desta magnífica capacidade que só nós, humanos, temos de comunicar com palavras. É fascinante pensar que poderá causar a mesma impressão em tantos outros como eu.
Que bela review! Transparece bem as sensações que fez passar :) Ainda não li este livro, mesmo tendo vindo a ouvir falar dele (bem e menos bem) ao longo dos anos. Está na wishlist, de qualquer modo :)
ResponderEliminarObrigado, Mariana! Aconselho vivamente, é sem dúvida um livro magnífico que traz ao de cima muitas emoções. Boas leituras :)
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