Lobo Solitário



Título original: Lone Wolf
Autora: Jodi Picoult
Nº de páginas: 408
Editora: Bertrand Editora

Sinopse
«Quando um lobo sabe que o seu tempo está a terminar e que já não é útil à alcateia, muitas vezes escolhe afastar-se. Morre assim isolado da sua família, do seu grupo, preservando até ao fim todo o orgulho que lhe é próprio e mantendo-se fiel à sua natureza. Luke Warren passou a vida inteira a estudar lobos. Chegou inclusivamente a viver com lobos durante longos períodos. Em muitos sentidos, Luke compreende melhor as dinâmicas da alcateia do que da sua própria família. A mulher, Georgie, desistiu finalmente da solidão em que vivia e deixou-o. O filho, Edward, de vinte e quatro anos, fugiu há seis, deixando para trás uma relação destruída com o pai. Recebe então um telefonema alarmante: Luke ficou gravemente ferido num acidente de automóvel com Cara, a sua irmã mais nova. De repente, tudo muda: Edward tem de regressar a casa e enfrentar o pai que deixou aos dezoito anos. Ele e Cara têm de decidir juntos o destino deste. Não há respostas fáceis, e as perguntas são muitas: que segredos esconderam Edward e Cara um do outro? Haverá razões ocultas para deixarem o pai morrer… ou viver? Qual seria a vontade de Luke? Como podem os filhos tomar uma decisão destas num contexto de culpa e sofrimento? E, sobretudo, terão esquecido aquilo que todo e qualquer lobo sabe e nunca esquece: cada membro da alcateia precisa dos outros e, às vezes, a sobrevivência implica sacrifício. Lobo Solitário descreve de forma brilhante a dinâmica familiar: o amor, a proteção, a força que podem dar, mas também o preço a pagar por eles.»

Opinião
Nas linhas da imaginação gostamos de pensar que basta uma conversa ou um gesto para mudar, de forma pacífica, a opinião de alguém ou até mesmo transformar o modo de ser dessa pessoa. Por vezes, nessa ingenuidade latente e imperceptível, esquecemo-nos que talvez essa pessoa possa pretender o mesmo, mas em relação a nós. O que faz da nossa opinião uma opção mais válida que a dessa pessoa? O que seria ganho com o nosso triunfo pessoal em detrimento do intento desse alguém? O prisma com que cada um de nós vê o mundo é a nossa identidade e o que nos define enquanto humanos, capazes de efectuar mudanças e atitudes segundo essa linha de visão. Contudo, quando essa visão é unilateral e opaca a outros raios de luz que preferimos ignorar, tornamo-nos incapazes de abranger certas zonas do espectro. Por outras palavras, ficamos cegos a certos tons devido à incapacidade de ver através de outros prismas, com consequente privação da possibilidade de erigir um quadro baseado na diversidade, integridade e, acima de tudo, compreensão. Nomeadamente no que toca às relações familiares, este quadro pode assumir uma multipolaridade cromática assustadora, quer pelo amor que se sente por alguém, quer pelo ódio que daí se pode gerar.

Lobo Solitário apresenta, pois, um quadro familiar complexo em que, à partida, é óbvia a polaridade distinta dos seus elementos. O que, outrora, fora um elo de harmonia entre quatro pessoas é agora apenas uma corrente frágil, prestes a ceder à pressão da instabilidade e do crescente afastamento. Luke Warren vive com a sua filha, Cara, em circunstâncias peculiares e fomentando uma relação ainda mais peculiar. Luke estuda lobos e o seu comportamento no seio de alcateias, numa tentativa de compreender a sua dinâmica relacional ao passo que, não tendo compreendido o que implica uma relação conjugal, foi deixado pela sua ex-mulher, Georgie, mãe de Cara, que entretanto refez a sua vida. Como extra, o irmão de Cara e filho de Luke e Georgie, Edward, fugiu sem justificação aos dezoito anos para outra parte do mundo sem nunca ter voltado. Neste retrato cada vez mais ténue, surge uma situação alarmante em que, inesperadamente, todos se reúnem. E será esse episódio, trágico e avassalador, que forçará ao de cima as memórias perdidas no tempo, permitindo a desmistificação de um passado incompreendido e, quiçá, a abertura de novos caminhos possíveis para o futuro.

Jodi Picoult consegue, com mestria, banquetear o leitor com essas revelações. À medida que são introduzidas as personagens e são construídas imagens sólidas de cada uma, verifica-se o propósito de determinados acontecimentos e a sua repercussão na relação estabelecida entre elas. Com esta entrega deliberadamente intermitente e cumulativa, Picoult agarra desde o início o leitor com uma narrativa cativante contada pelas vozes das suas diversas personagens. Além disso, é precisamente o facto de se apreender a mesma história sob diversas vozes que a torna ainda mais cativante e enriquecedora.

Luke, com a sua vivência detalhada nas alcateias, é um testemunho extraordinário de perseverança e dedicação à causa pela qual se luta, transmitindo um conhecimento valioso sobre as hierarquias que se formam numa alcateia e os motivos por detrás das atitudes dos lobos. Com este contexto, faz-se um paralelismo para o mundo das relações humanas que, de certa forma, se podem equiparar às que os lobos manifestam entre si. Porém, é quando Luke se embrenha a fundo na sua missão que se põe em questão o verdadeiro significado da linguagem relacional e o conceito de família. Compenetrando-se nesta nova realidade, Luke entra num domínio perigoso entre os seus lados humano e selvagem, apercebendo-se que não poderá viver num meio termo. A este interessante e complexo dilema assiste Cara, a sua filha, uma rapariga que, embora ingénua, é uma espontânea e obstinada força da natureza quando as circunstâncias a pressionam e testam a sua maturidade. No seu tumultuoso e invulgar crescimento, Cara reservou para si anseios e conflitos interiores que não resolveu, constituindo agora um obstáculo que lhe tolda a razão quando o seu julgamento é mais necessário. Edward, por seu turno, tem um temperamento impulsivo, mas compreensivo e delicado. Voltar a casa é, para si, como expor feridas que nunca sararam. O processo de reconhecimento interior é avassalador e, mais que nunca, totalmente imprescindível para poder avançar. Por fim, tem-se Georgie como mais uma prova da família estilhaçada, constituindo um relato que ajuda a clarificar o desenvolvimento da trama com reminiscências da vida passada. Georgie vê-se confrontada também ela com um acutilante dilema: poderá apoiar os dois filhos que ama sem daí magoar uma das partes? Neste leque de individualidades, torna-se óbvio que é a sua unificação que lhes dá força própria. A família é mais forte quando está completa. A família é um conjunto de heterogeneidades que perfazem uma mancha homogénea. A família é tudo, e tudo deve ser feito pela família.

Numa leitura que é eficaz e célere, existem detalhes que captam um olhar mais intrincado, como algumas descrições do foro médico e judicial, no que toca à situação específica de uma personagem. Por vezes, estes detalhes assumem um carácter repetitivo, não contribuindo com algo de novo para a trama e arrastando, assim, a leitura num compasso mais demorado. Apesar disto, esse recurso é sempre feito remetendo para os possíveis desfechos das personagens e, porventura, será essa reiteração de possibilidades que fará o leitor implicar-se e divagar quanto ao poder da decisão e ao peso da indecisão. Na realidade, este é um processo emocional difícil de digerir, principalmente quando as nossas acções remetem para uma pessoa cujo destino depende de nós. O tom humano percorre, pois, toda a obra, assim como um sentimento de ponderação entre o que é verdadeiramente importante na vida e o que pode constituir um vida digna de ser vivida. 

Lobo Solitário culmina com uma mensagem de esperança. Subtil mas glorioso, o final sublinha que, na vida, não existe um último capítulo, se assim quisermos. Se é verdade que, por vezes, não nos é possível escrever a nossa história, está contudo nas nossas mãos a capacidade de mudarmos o seu rumo se para isso lutarmos. Tudo depende da percepção, desse prisma com que olhamos para o horizonte, e da vontade que existe em preservar a identidade que está profundamente entalhada em nós e que nos define.

Mais que uma dedicatória à família e aos laços que nos unem enquanto humanos, Lobo Solitário demarca a importância das escolhas que fazemos e como estas influenciam quem amamos. É um instantâneo da efemeridade da vida e da beleza que existe em estar vivo. Com personagens absolutamente sedutoras e uma narrativa inclusiva, Jodi Picoult constrói uma história que toca o leitor pela sua verosimilhança e imprevisibilidade. Vale a pena arriscar e abraçar este drama emotivo que, para alguns, será mais um fantástico livro de Picoult, para outros um alerta precioso que ressoará na consciência como o uivo de um lobo.

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