O Poço da Ascensão



Título original: The Well of Ascension
Autor: Brandon Sanderson
Nº de páginas: 736
Editora: Saída de Emergência
Colecção: Bang!

Sinopse
«Alcançaram o impossível: o mal que governara o mundo pela força do terror foi derrotado. Mas alguns dos heróis que lideraram esse triunfo não sobreviveram, e eis que surge uma nova tarefa de proporções igualmente gigantescas: reconstruir um novo mundo. Vin é agora a mais talentosa na arte e técnica da Alomância e decide reunir forças com os outros membros do bando de Kelsier para ascender das ruínas de um passado vil.
Venerada ou perseguida, Vin sente-se desconfortável com o peso que carrega sobre os ombros. A cidade de Luthadel não se governa sozinha, e Vin e os outros membros do bando de Kelsier aprendem estratégia e diplomacia política enquanto lidam com invasões iminentes à cidade.
Enquanto o cerco a Luthadel se torna cada vez mais apertado, uma lenda antiga parece oferecer um brilho de esperança: o Poço da Ascensão. Mas mesmo que exista, ninguém sabe onde se encontra nem o poder que contém… Resta a Vin e aos seus amigos agarrar esta fonte de esperança e conseguir garantir o seu futuro e futuro de Luthadel, cumprindo os seus sonhos e os sonhos de Kelsier.»

Opinião

A mensagem do Sobrevivente ficou patente em O Império Final. Aqui, o legado é continuado pela sua aprendiz, Vin, a nascida das brumas que se revelou uma forte peça no turbilhão de acontecimentos que conduziram à formação de uma nova realidade política e social. Não obstante o seu evidente poder como alomante e a sua vontade em que o bem prevaleça, Vin ainda tem que enfrentar o maior dos conflitos que a assombra - aquele que trava consigo mesma - ao mesmo tempo que se revelam verdades ocultas no mundo e a sede de poder de líderes tiranos ameaça a segurança recentemente alcançada.

Este segundo volume da trilogia Mistborn é, numa primeira análise, denso, tanto em tamanho como em conteúdo. É apresentada muita informação, na maior parte das vezes codificada e aparentemente desprezável, que ao se acumular sem conduzir a uma conclusão lógica causa alguma confusão ao leitor. É verdade que o esforço por destrinçar esses pedaços de informação leva a cenários hipotéticos que seriam plausíveis, não fosse o autor um mestre do malabarismo narrativo e que, com as suas revelações, deita por terra essas teorias. Nisto, Sanderson conseguiu escolher os intervalos certos entre a apresentação dos factos e as respectivas justificações de modo a manter o interesse e não deixar cair o ritmo da leitura, havendo sempre algum ponto do enredo suspenso que impele o leitor a descobrir mais. Contudo, não só de revelações se constrói este livro. O que o torna realmente denso são os contornos fortemente estratégicos que reúne, sobretudo inerentes à figura de Elend Venture e à cidade de Luthadel.  A maior parte da narrativa preenche-se de ponderação e idealização de planos seguindo uma linha estratégica defensiva. Por contraste, o lado atacante, que se compõe por múltiplas partes, também tem a sua própria estratégia de combate. Formam-se verdadeiros impasses e a bola do poder permanece em constante alternância entre as forças em jogo, dificultando o vislumbre da vitória seja de que lado for.


Nestes estratagemas é possível assistir à evolução das personagens, sobretudo no que toca à sua dimensão emocional. Sem dúvida, a grande revelação pessoal é a de Elend, que no volume anterior constava como mera personagem secundária. Aqui, Elend tem direito ao lugar na tribuna e na sua já conhecida erudição entrega-se num verdadeiro compromisso ético e moral. Torna-se uma personagem que adquire conotação forte, quase como uma presença omnipresente na vida das restantes personagens. A sua transformação é notória, mas concisa e previsível, sendo um elemento fundamental no decurso dos acontecimentos. Maior relevância ainda é dada a Vin, como seria evidente. A jovem ingénua e inocente d' O Império Final cresceu, face à implacabilidade dos eventos recentes e da sua nova condição enquanto mulher num sistema político. Vin está agora consciente de que é mais que uma nascida das brumas. Vin é uma arma do povo e do reino, cujo papel vai muito para além da sua alomância. A sua figura é um conceito de adoração, portanto fomentando ideais grandiosos que almejam por uma nova paz. Apesar da maturidade que adquire, da perspicácia que demonstra nas mais improváveis ocasiões e dos seus instintos certeiros, Vin é alimentada por uma questão permanente. Uma dúvida, mas também uma certeza difusa. A certeza de que maiores eventos estão em decurso e que neles terá um papel a desempenhar, para bem de todos. Mas também a certeza de que algo obscuro e tenebroso brevemente surgirá e terá repercussões drásticas na sua vida, bem como nas vidas daqueles que ama. A dinâmica entre Vin e Elend perpassa toda a obra e mutuamente estas personagens ajudam-se no entendimento do mundo e deles mesmos, construindo uma relação que assenta sobretudo na confiança. À volta deste conjunto, encontram-se Sazed, o terrisano culto, influente, mas que aqui também sofre um forte dilema existencial, os restantes membros do bando de Kelsier, tais como Ham, Dockson, Coxo, Brisa, Susto e ainda tantas outras personagens que completam a complexa situação estratégica de Luthadel. 

De facto, é possível seguir duas linhas narrativas principais. Uma delas, o cerco de Luthadel, como já referido envolto numa complexa trama política e, portanto, a que mais modificações sofre e onde ocorrem mais surpresas. A outra linha relaciona-se com o misticismo que delineia o destino do império e ao qual estão ligadas as antigas profecias. Sem que sejam mutuamente exclusivas, estas duas linhas alternam-se e até se revelam inclusivas nalguns pontos. As decisões são tomadas tendo em conta o que é aparentemente mais importante. Mas, no cenário em vista, o que poderá ser mais importante? Salvar uma cidade e o seu povo? Ou salvar o futuro do império e do mundo? Como pode uma coisa levar à outra, sem comprometer a vida de inocentes e de corajosos que deram tudo pela causa do Sobrevivente? 

Sanderson alia uma escrita meticulosa e estilística a um intenso ritmo de acontecimentos. A leitura não é um processo célere, sobretudo no que toca à compreensão das personagens. Dando uma perspectiva global do conjunto de figuras que intervêm no momento, Sanderson é hábil ao ponto de transparecer a essência de cada uma, os seus pensamentos e as implicações das suas atitudes no seu desenvolvimento intra e interpessoal. Além disso, a alomância desempenha novamente um papel brilhante na descrição cinematográfica da acção e da visualização espacial, bem como apela a um raciocínio lógico de acção-reacção inerente à utilização dos metais. 

Num livro que é essencialmente especulativo, o final torna-se uma estrondosa surpresa, provando que até a mais cimentada das verdades pode estar envolta em brumas. É genial o modo como até aí acreditamos piamente no que nos é relatado sem desvendar o que está realmente escondido desde o início. Interpretar sinais. Avaliar perspectivas. É tudo da maior consideração, quando o mais simples dos factos não é um embuste. 

Mais que uma bem conseguida sequela, O Poço da Ascensão fornece um complexo enredo que põe termo a questões essenciais e desenvolve outras de maior incidência que se aproximam do real objectivo da trama. Com personagens impactantes e profundamente elaboradas, este universo fantástico ganha cada vez mais consistência e um fulcral sentido de demanda. Com a mesma qualidade que nos presenteou em O Império Final, apenas num diferente tom, Sanderson afirma-se como um magnífico escritor e escultor de intrigas que deixa uma grande dúvida a pairar: conseguirá o desfecho da trilogia surpreender ainda mais?

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