O Homem Duplicado


Autor: José Saramago
Nº de páginas: 336
Editora: Porto Editora

Sinopse
«Tertuliano Máximo Afonso, professor de História no ensino secundário, «vive só e aborrece-se», «esteve casado e não se lembra do que o levou ao matrimónio, divorciou-se e agora não quer nem lembrar-se dos motivos por que se separou», à cadeira de História «vê-a ele desde há muito tempo como uma fadiga sem sentido e um começo sem fim». Uma noite, em casa, ao rever um filme na televisão, «levantou-se da cadeira, ajoelhou-se diante do televisor, a cara tão perto do ecrã quanto lhe permitia a visão, Sou eu, disse, e outra vez sentiu que se lhe eriçavam os pelos do corpo».
Depois desta inesperada descoberta, de um homem exatamente igual a si, Tertuliano Máximo Afonso, o que vive só e se aborrece, parte à descoberta desse outro homem.»

Opinião
A inércia é uma constante dos tempos actuais. Diariamente, a consumação das mesmas acções nos mesmos momentos com as mesmas pessoas sufoca e conspurca a essência humana. A ânsia por significado e mudança é um sonho de improvável concretização que se traduz em impotência. Não obstante, tentar contrariar esta tendência é um procedimento arriscado. Ao comprometer uma estagnação segura por um cenário aliciante mas imprevisível pode conquistar-se a derradeira oportunidade de glória. Poderá também, pelo contrário, ser este o último passo em direcção ao abismo.

O Homem Duplicado narra a história de Tertuliano Máximo Afonso que, como uma fita de cinema incapaz de autonomia, se deixa levar pela inércia. A certo momento, sem aviso, a fita encrava e o filme para. Um impasse. O ponto de viragem. A existência de Tertuliano não será mais a mesma uma vez consciente de que essa mesma existência não é sua exclusiva, mas partilhada com outro seu igual. Tertuliano parte então à descoberta do seu semelhante sem imaginar que no processo é consigo mesmo que se vai defrontar.

Desde o princípio que o desenvolvimento do enredo se torna previsível, antecipando-se com grande entusiasmo o momento do confronto com o outro eu. Grande parte do livro é dedicada a esta tarefa e, como seria de esperar, o auge da narrativa recai neste episódio. É, contudo, a partir desta resolução que a trama adquire novos e surpreendentes contornos que vão ao encontro da intenção do autor: desmistificar a dualidade do ser quando este se revê nele próprio. O caos é a ordem por decifrar.

Todo o romance é uma forte alusão à pesquisa da identidade e do auto-conhecimento. As personagens fundem-se nos mesmos desejos e receios que se prendem com a questão essencial da autenticidade. A indagação de um tem a resposta no outro e vice-versa, de maneira que se constrói um diálogo permanente cujo fim é perceber onde está a definição de cada um. Haverá, afinal, lugar na igualdade para a diferença? Quem tem direito à originalidade? Será possível ser-se tudo, sendo apenas parte do todo? É neste conjunto de dúvidas que se atinge um desfecho acutilante e inesperado, embora vaticinado pela instabilidade que, pouco a pouco, surge na acção.

A grande riqueza deste livro está na escrita de Saramago. Até a constatação mais evidente se torna complexa aos olhos do autor com as suas recorrentes metáforas e marcada ironia. É preciso demorar-se na sua prosa para verdadeiramente absorver o seu conteúdo e apreender a subtileza que está por vezes dissimulada.

Em suma, O Homem Duplicado é um exercício de análise existencialista bem fundamentado através das figuras que o protagonizam. O estilo peculiar e cativante de Saramago permite que a cada capítulo sejam reveladas novas razões para prosseguir com a leitura. Sem dúvida, este é um intrigante romance bem construído que vale a pena ler. 

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