Título original: The Dutch Wife
Autora: Ellen Keith
Nº de páginas: 336
Editora: Editorial Presença
Colecção: Grandes Narrativas
«Amesterdão, maio de 1943. Ao mesmo tempo que as túlipas florescem, os nazis intensificam a opressão à cidade ocupada e os últimos sinais da resistência holandesa vão sendo eliminados. Marijke de Graaf e o marido são detidos e deportados separadamente para campos de concentração na Alemanha. Em Buchenwald, Marijke é confrontada com uma escolha impiedosa: sujeitar-se aos cruéis trabalhos forçados impostos aos prisioneiros ou numa tentativa de sobrevivência tornar-se prostituta no bordel do campo.
Do outro lado do arame farpado, Karl Müller, oficial das SS, espera alcançar a glória militar que o seu pai acalenta. Porém, o encontro com Marijke muda radicalmente o seu destino.
Buenos Aires, 1977. Está-se em plena Guerra Suja, num cenário de repressão implacável sobre os dissidentes do regime que vigora então na Argentina. Luciano Wagner está detido numa cela, sem esperança de algum dia escapar ao cativeiro político.
Da Holanda à Alemanha, até à Argentina, A Holandesa é um romance soberbo que narra a história de três pessoas que partilham um segredo sombrio e que faz um relato impressionante de dois dos regimes mais violentos e repressivos da história moderna.
Um livro que fala de amor, da ténue linha entre o bem e o mal, e da resiliência de pessoas comuns para perseverarem e fazerem o impensável em circunstâncias insólitas.»
Opinião
Ler sobre o Holocausto é sempre uma experiência avassaladora. É como se algo visceral despertasse cá dentro e se contorcesse, uma e outra vez, mesmo sabendo de antemão que se espera um quadro de atrocidades inconcebíveis. É, porém, incrível como este tema nos consegue renovadamente surpreender. Talvez isso aconteça porque somos forçados a questionar a própria humanidade, pondo em xeque a nossa essência, os nossos valores morais e o nosso objectivo nesta vida terrena. Afinal, como é possível que a mesma espécie tenha a capacidade de manifestar bondade e, no outro extremo, uma maldade sem limites?
A Holandesa decorre em duas linhas temporais, uma delas situada na Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial e outra que avança três décadas para uma Argentina em plena Guerra Suja. Aparentemente sem nada em comum, estes cenários escondem uma misteriosa conexão à espera de ser revelada. À medida que a leitura avança, é possível confrontar as similaridades evidentes entre dois contextos diferentes em que a tirania prevaleceu com consequências demasiado nefastas para serem justamente medidas.
A acção é repartida entre Marijke, Karl e Luciano, três personagens muito distintas mas que conjuntamente constroem um livro coeso. É interessante notar que apesar desta diferença, é possível observar dois paralelismos: um entre Marijke e Luciano, outro entre Karl e Luciano. O primeiro destaca a posição de subserviência e o estado de cativeiro a que estão sujeitos. Já o último evidencia um forte dilema interior que é para ambos causa major de sofrimento. Por outro lado, entre Marijke e Karl não há qualquer semelhança, sendo contudo nessa oposição que se explora a sua relação imprevisível que consiste no aspecto principal da obra. Seria o acaso a cruzar Marijke e Karl no mesmo caminho e a colocá-los na situação mais difícil das suas vidas por diferentes razões. Marijke é, na minha opinião, a personagem mais forte e completa pela sua astúcia e resiliência, qualidades presentes em todo o seu percurso. Por outro lado, Karl é na sua condição de oficial das SS a mais interessante para conhecer, porém a que naturalmente mais aversão causa ao leitor. Já Luciano é aquela por quem se nutre maior empatia e compaixão, o que é justificado pelas descrições vívidas do seu tormento mas também por representar de forma crua a injustiça e a incompreensão.
Fica claro que o enfoque do livro é o âmbito prisional partilhado pelas personagens principais. Embora existam diferenças entre as situações de Marijke e Luciano, o sofrimento e a brutalidade são transversais aos dois, bem como a coragem que demonstram. Na verdade, os bordéis para prisioneiros nos campos de concentração foram para mim uma novidade, pelo que me senti mais cativado por esses capítulos. Por mais anos que passem, o baú da história continua a desvendar surpresas. Relativamente ao Holocausto, é deveras impressionante a quantidade de segredos mantidos nas sombras após a guerra e que gradualmente foram expostos. Fica a inevitável sensação que, passados oitenta anos, ainda há tanto por descobrir, embora a conclusão se repita: a desumanização, o horror, a violência, tudo em nome da supremacia erguida na ilusão do poder.
A escrita magistral deste romance é outro dos seus atributos, possibilitando uma leitura fluída e aliciante até mesmo nos momentos desconfortáveis. Keith consegue manobrar a prosa ao sabor de cada personagem ricamente desenvolvida, mantendo a simplicidade da narrativa face à complexidade da realidade retratada.
A Holandesa estabelece-se, assim, como um romance esplêndido, assente em períodos históricos tão conturbados quanto comoventes. A implacabilidade do relato é contrabalançada pela profundidade dos protagonistas, um trabalho proveniente de uma autora meticulosa que sabe como agarrar o leitor do início ao fim.
A Holandesa decorre em duas linhas temporais, uma delas situada na Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial e outra que avança três décadas para uma Argentina em plena Guerra Suja. Aparentemente sem nada em comum, estes cenários escondem uma misteriosa conexão à espera de ser revelada. À medida que a leitura avança, é possível confrontar as similaridades evidentes entre dois contextos diferentes em que a tirania prevaleceu com consequências demasiado nefastas para serem justamente medidas.
A acção é repartida entre Marijke, Karl e Luciano, três personagens muito distintas mas que conjuntamente constroem um livro coeso. É interessante notar que apesar desta diferença, é possível observar dois paralelismos: um entre Marijke e Luciano, outro entre Karl e Luciano. O primeiro destaca a posição de subserviência e o estado de cativeiro a que estão sujeitos. Já o último evidencia um forte dilema interior que é para ambos causa major de sofrimento. Por outro lado, entre Marijke e Karl não há qualquer semelhança, sendo contudo nessa oposição que se explora a sua relação imprevisível que consiste no aspecto principal da obra. Seria o acaso a cruzar Marijke e Karl no mesmo caminho e a colocá-los na situação mais difícil das suas vidas por diferentes razões. Marijke é, na minha opinião, a personagem mais forte e completa pela sua astúcia e resiliência, qualidades presentes em todo o seu percurso. Por outro lado, Karl é na sua condição de oficial das SS a mais interessante para conhecer, porém a que naturalmente mais aversão causa ao leitor. Já Luciano é aquela por quem se nutre maior empatia e compaixão, o que é justificado pelas descrições vívidas do seu tormento mas também por representar de forma crua a injustiça e a incompreensão.
Fica claro que o enfoque do livro é o âmbito prisional partilhado pelas personagens principais. Embora existam diferenças entre as situações de Marijke e Luciano, o sofrimento e a brutalidade são transversais aos dois, bem como a coragem que demonstram. Na verdade, os bordéis para prisioneiros nos campos de concentração foram para mim uma novidade, pelo que me senti mais cativado por esses capítulos. Por mais anos que passem, o baú da história continua a desvendar surpresas. Relativamente ao Holocausto, é deveras impressionante a quantidade de segredos mantidos nas sombras após a guerra e que gradualmente foram expostos. Fica a inevitável sensação que, passados oitenta anos, ainda há tanto por descobrir, embora a conclusão se repita: a desumanização, o horror, a violência, tudo em nome da supremacia erguida na ilusão do poder.
A escrita magistral deste romance é outro dos seus atributos, possibilitando uma leitura fluída e aliciante até mesmo nos momentos desconfortáveis. Keith consegue manobrar a prosa ao sabor de cada personagem ricamente desenvolvida, mantendo a simplicidade da narrativa face à complexidade da realidade retratada.
A Holandesa estabelece-se, assim, como um romance esplêndido, assente em períodos históricos tão conturbados quanto comoventes. A implacabilidade do relato é contrabalançada pela profundidade dos protagonistas, um trabalho proveniente de uma autora meticulosa que sabe como agarrar o leitor do início ao fim.
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