A Justiça de Yerney



Título original: Hlapec Jernej in njegova pravica
Autor: Ivan Cankar
Nº de páginas: 96
Editora: 20|20 Editora
Chancela: Cavalo de Ferro

Sinopse
«Yerney é um homem simples que dedicou a sua vida a duas coisas apenas: trabalho e Deus. Enquanto feitor na herdade dos Sitar, numa pequena aldeia na Eslovénia, lavrou os campos, plantou as sementeiras e construiu a casa dos senhores com as suas próprias mãos.
Contudo, já idoso e cansado, todo o seu esforço e a promessa de um merecido repouso são-lhe repentinamente negados. Começa assim a busca obsessiva de Yerney por justiça, uma longa odisseia que o levará a encontrar-se com juízes, sábios e padres e a viajar até Ljubljana e Viena, onde vive o próprio Imperador, nunca desistindo de contrapor o seu ideal de direito e justiça à arbitrariedade das leis dos poderosos.
Publicado em vésperas da derrocada do Império Austro-Húngaro, esta pequena obra viria a tornar-se uma das referências incontornáveis da literatura eslovena, à época emergente, versando com agudeza e sobriedade sobre alguns dos temas sociais, políticos e culturais que marcariam o século XX de todo o continente europeu.»

Opinião
Na pequena aldeia de Betajnova, algures numa Eslovénia sob o jugo do Império Austro-Húngaro, Yerney prepara-se para reclamar a recompensa de uma vida laboriosa. Seria a sua infeliz sorte ver o seu maior desejo negado e frustrado por quem injustamente reivindica o seu exclusivo direito. Perante tamanha afronta, Yerney recusa-se a tomar o caminho da resignação e parte em busca da justiça que lhe é devida, percorrendo campos e cidades para confrontar a voz dos homens com a voz justa de Deus.

Situada na fronteira entre o conto e a novela, A Justiça de Yerney é uma narrativa curta e simples que contém questões sociais profundas. Publicado no início do século XX, este livro certamente teve o seu cunho de revolução e foi alvo de repressão por questionar premissas aí inquestionáveis. Fala-se da hierarquia de classes e da existência de Deus, de estoicismo e de inércia. Ao tentar vislumbrar para além do paradigma, Cankar fornece um retrato da realidade arcaica absolutista de tempos que carecem de mudança e sobretudo de quem se imponha aos dogmas vigentes, insensatos num mundo posicionado de frente para a modernização.

A personagem de Yerney é o centro da acção. Nela estão espelhados o cansaço, a dor e a desilusão que crescem a cada capítulo, resultado da injustiça que enfrenta. Porém, também a esperança aflora das suas entranhas e fulgura com vigor inabalável até ao último momento. Exemplo ímpar de perseverança, Yerney luta pela sua verdade pretendendo apenas aquilo que a si está reservado sem interferir com direitos alheios. Na sua mente, é este o cenário lógico e natural. A sua demanda prova, para seu descontentamento, o contrário já que aos olhos dos demais a pretensão de Yerney é um caso inusitado, até mesmo ridículo. Esgotadas as suas possibilidades, Yerney põe a sua causa nas mãos de Deus, apenas para entender que na Terra o divino está fora do alcance dos homens. Yerney simboliza, à luz da época, o trabalhador sem livre arbítrio inapto a alterar o estatuto que a si foi atribuído à nascença: uma sentença perpétua incontestável. A ironia aqui presente reflecte-se no facto do protagonista estar sozinho nesta reflexão, pois ninguém se atreve a interrogar as leis nem mesmo para benefício próprio. O leitor reveste-se de compaixão e revolta assistindo impune à vitória da injustiça. É, contudo, no desfecho que o injustiçado se transforma em justiceiro e pelos seus meios cria a derradeira justiça que nunca encontrou.

Ao conjugar a simplicidade da prosa com a profundidade da matéria, Cankar elabora uma fiel representação da situação social europeia em finais de regime imperialista por meio de uma personagem notável e inspiradora. Yerney é o símbolo da resistência e a prova de que a justiça só pode ser aplicada por quem tenha sentido na pele o escárnio da injustiça. Este é, assim, um livro objectivo que provoca e sublinha certas particularidades humanas que não devem ser esquecidas.

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