Rainha das Trevas


Título original: Queen of the Darkness
Autora: Anne Bishop
Nº de páginas: 460
Editora: Saída de Emergência
Colecção: Bang!

Sinopse
«Terceiro volume da Trilogia das Jóias Negras.
Há setecentos anos, num mundo governado por mulheres e onde os homens são meros súbditos, uma Viúva Negra profetizou a chegada de uma Rainha na sua teia de sonhos e visões. Incapazes de atingir Jaenelle, a jovem Rainha, os membros corruptos dos Sangue fazem um jogo perverso de diplomacia e mentira, procurando destruir aqueles que sempre deram tudo por ela. E revertem as culpas para o seu tutor, Saetan, que passa a ser visto como a maior das ameaças ao poder instituído.Com Jaenelle como Rainha, a chacina do povo e a profanação das terras irá terminar. Porém, onde se fechou uma porta poderá abrir-se uma janela... E mesmo que Jaenelle possa contar com os seus aliados, talvez não seja suficiente: só um terrível sacrifício poderá salvar o coração de Kaeleer...»

Opinião
Se Filha do Sangue foi um início enigmático repleto de acção e Herdeira das Sombras um momento de crescimento das personagens, Rainha das Trevas consegue combinar estes dois aspectos na quantidade adequada para oferecer um final de saga notável. Embora continuem espaços por preencher na narrativa, a conclusão é consistente, previsível, mas sobretudo uma execução de imaginação brilhante.

É, de facto, a imaginação de Bishop aquilo que representa tanto o ponto mais forte como o mais fraco desta trilogia. A criação do mundo é única, complexa, sedutora, atributos essenciais para atingir qualidade numa obra de fantasia. O imaginário envolve como se de um feitiço se tratasse, suscitando interesse e espanto a cada nova descrição. Por outro lado, com uma premissa tão forte e promissora muito é deixado à consideração do leitor. As perguntas que ficam por responder, relacionadas com a ausência de esclarecimento de parte da lógica deste universo, deixam uma sensação de frustração face a um potencial que, lamentavelmente, não é inteiramente atingido.


Aparte este ponto menos positivo, há muito para enaltecer neste volume, nomeadamente as personagens. O grande protagonista desta vez é Daemon, que ao recuperar a sua integridade recupera também o seu esplendor. Porém, estes são tempos difíceis para todos os intervenientes e nem Daemon escapa à tensão instalada. Os impasses surgem, a insegurança emana à superfície pondo em risco aquilo que sempre desejou. A sua luta é, não obstante, mais possante que nunca, alimentada na esperança que ainda demonstra possuir. Por sua vez, Jaenelle imiscui-se lentamente na trama. A sua presença é pontual e eclipsada por outras figuras com maior destaque, o que foi uma surpresa. Jaenelle é maioritariamente a Feiticeira e a Rainha, o instrumento necessário e crucial para combater a conspurcação dos Sangue. Esta sua faceta é magnífica e confere à saga um poder imenso. Porém, a jovem Jaenelle - filha, irmã e amante - é raramente evidenciada, o que reforça a ideia de que a sua verdadeira missão está prestes a concretizar-se e nada mais importa que cumprir o destino profetizado. Outros como Saetan, Surreal, Lucivar e até mesmo os parentes distinguem-se pela sua relevância crescente, estabelecendo-se como elementos chave na resolução da história. É interessante reparar que um passado de sofrimento é algo transversal aos protagonistas e as suas acções transparecem esse facto. A dor moldou-os em várias medidas, especialmente no que toca à sua orientação moral. Perante o conhecimento do que é correcto, será esse o caminho que tomarão mesmo que tal implique sacrifícios impensáveis. Como tal, é possível entender o seu comportamento que noutras circunstâncias seria condenável. As vilãs Dorothea e Hekatah têm o seu auge, pondo em prática os seus jogos cruéis para conquistar os três reinos. A batalha torna-se mais pessoal e feroz, o que culmina num conflito intrigante justo para ambas.

A narração atinge um patamar irrepreensível, no esquema já habitual de alternância de personagens e reinos. O ritmo é constante e aliciante com acontecimentos a sucederem a uma velocidade considerável. Mais uma vez, algumas das passagens são, pela sua complexidade e abstracção, de difícil percepção. Apesar disso, a leitura não é interrompida pois o fio condutor da acção não é perdido e aquilo que importa é transmitido. Próximo do final o percurso é acutilante e dúbio, ainda assim o desfecho revela-se o esperado.

Constituindo o volume decisivo, foi com agrado que me apercebi que Rainha das Trevas é de todos os livros aquele que apresenta mais humor e que mais tenta aligeirar temas sérios e profundos. Aliás, o humor é um factor que atravessa toda a saga e que lhe concede um toque especial. As personagens são mais mordazes e espontâneas, o que inevitavelmente gera maior empatia com as mesmas.

Se há mensagem prevalecente nestes livros é a de que às trevas não corresponde inequivocamente o mal. O poder e a beleza podem ser encontrados nos locais e nas pessoas mais inesperadas, surgindo de tormentos e da escuridão. Bishop subverte o estereótipo moral com sucesso através da penumbra com que circunda as personagens e a configuração da sua obra, algo pouco comum mas que funciona e é ao mesmo tempo fascinante.

Encerra-se, assim, a formidável trilogia das Jóias Negras. Primando pela ousadia e singularidade, enche as medidas a quem procura uma experiência totalmente diferente no âmbito da fantasia. Tecida com complexidade e paixão, é uma prosa ambiciosa de grande qualidade que tinha, ainda assim, capacidade para atingir um nível superior. Espero mais leituras sobre este universo brilhante, criado por uma autora de talento inesquecível. 

Comentários