Apeirogon: Viagens infinitas


Título original: Apeirogon
Autor: Colum McCann
Nº de páginas: 496
Editora: Porto Editora

Sinopse
«Rammi Elhanan e Bassam Aramin moram perto um do outro – contudo, habitam mundos completamente diferentes. Rami é israelita. Bassam é palestiniano. A matrícula de Rami é amarela. A matrícula de Bassam é verde. Rami demora 15 minutos até à Margem Ocidental. Bassam demora uma hora e meia a fazer o mesmo percurso.
Aqui, a geografia é tudo.
Ambos perderam as suas filhas. Smadar, filha de Rami, de 13 anos, foi morta por um bombista suicida. Abir, filha de Bassam, de 10, foi atingida por um membro da polícia fronteiriça, junto à escola. Trazia um doce no bolso que ainda não tinha tido tempo de comer.
Rami e Bassam tornam-se melhores amigos.
Neste romance épico – que se apresenta com o mesmo nome da forma geométrica com um número contavelmente infinito de lados – Colum McCann atravessa séculos e continentes, entrelaçando tempo, arte, história, natureza e política numa tapeçaria de amizade, amor, perda e pertença. Musical, forte, delicado e ambicioso, este é um livro para os nossos tempos, por um escritor no auge dos seus poderes.»

Opinião
Prevalecer perante as adversidades é o mecanismo que oferece aos seres vivos, incluindo aos humanos, a possibilidade de sobrevivência e evolução. Aos mais aptos com as características mais favoráveis face à mudança é garantido um lugar na próxima fase da existência. É interessante perceber, contudo, que os humanos pertencem à única espécie capaz de autossabotagem em virtude da vitória dos menos capazes. Por consequência, os séculos traçam repetidamente linhas indeléveis de conflitos com um mesmo propósito de apurar vencedores, apenas para chegar à conclusão que, na verdade, somos todos perdedores desde o início.

Apeirogon: Viagens infinitas deambula pela fronteira entre Israel e Palestina, trazendo à luz duas histórias que, apesar de geográfica e politicamente opostas, são o reflexo uma da outra. De um lado Rami, israelita, do outro Bassam, palestiniano, ligados pelo infortúnio da morte precoce das suas filhas. À parte das diferenças óbvias, Rami e Bassam cruzam-se num caminho comum que desafia as suas origens, não na tentativa de procurar justiça sem olhar a meios, mas antes munir-se da sua revolta para alcançar algo maior: A única vingança é fazer a paz.

Numa composição estruturada em mil e uma partes, numa subtil alusão aos contos de As Mil e Uma Noites, a obra preenche-se de fragmentos e devaneios que, na sua aparente discordância, constroem uma peça coesa. Entre os factos e a ficção, com maior ou menor robustez, as partes colidem e completam-se em vários fios que tecem a narrativa em direcção a um mesmo fim, tal como sucede no polígono de lados infinitos que aqui serve de título. De facto, Rami e Bassam personificam não só as histórias de dois povos distintos, mas sobretudo a história sinuosa e inquieta da humanidade na sua sucessiva construção e desconstrução que, no fim de contas, retorna sempre ao mesmo lugar com as mesmas questões na bagagem.

Se é pelas vozes de Rami e Bassam que o relato ganha forma, é através de Smadar e Abir que atinge o seu pleno sentido. A força de ambas emana das páginas com um brilho inextinguível, dois faróis a guiar a razão pelas trevas da dor. Nas breves passagens em que se permite vislumbrá-las, são a ingenuidade e a serenidade, porém também a perspicácia, que sobressaem. A sua memória fulgura o fanatismo que ainda hoje paira numa das regiões mais voláteis do mundo, transformando este livro numa dedicatória àqueles que são vítimas da própria identidade. Aqui, a geografia é tudo.

Delineado com pungência e meticulosidade, recorrendo a alegorias, mitos, símbolos, metáforas e pedaços da História, o livro flutua entre esta diversidade de elementos deliberadamente ancorados à base da narrativa. Não obstante, o equilíbrio pretendido nem sempre é alcançado, na medida em que muitos destes elementos, pela sua disparidade, passam a ofuscar a verdadeira trama. Por este motivo, pauta-se por um ritmo pausado e exigente, em muitas ocasiões difícil de acompanhar. Ainda assim, McCann consegue deslumbrar pela singularidade e criatividade com que debruou o seu extenso trabalho de pesquisa, um dos méritos mais notórios neste terreno dúbio que alia ficção e não-ficção.   

Um aspecto particularmente digno de salientar refere-se à imparcialidade com que é abordada a problemática do conflito. Desprovido de quaisquer preconceitos ou conjecturas, o autor debruça-se com objectividade sobre Israel e Palestina, duas nações que, independentemente dos actos cometidos, têm as suas raízes, as suas gentes e os seus propósitos. A sobreposição de uma sobre a outra é, pois, uma falácia que perdura desde o último século, que lamentavelmente se adensa na carência do diálogo sem uma solução praticável à vista.
    
Provido de um argumento poderoso sob um prisma de intocável originalidade, Apeirogon: Viagens infinitas é uma delicada lição de coragem, indulgência e superação perante as derrotas esmagadoras da vida. É também um livro que encontra beleza na destruição ao empenhar a impossibilidade como norma de actuação. O trabalho de McCann atinge integralmente os seus desígnios, expondo a certeza de que a guerra mais difícil de vencer é aquela que travamos com nós mesmos. 

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