Título original: Iron Widow
Autora: Xiran Jay Zhao
Nº de páginas: 368
Editora: Saída de Emergência
Colecção: Bang!
Sinopse
«Num futuro distópico e ameaçador, uma jovem vai desafiar as regras do sistema patriarcal...
As fronteiras de Huaxia são defendidas por máquinas de guerra gigantescas movidas pela energia vital de um piloto e da sua concubina. Os combates são violentos e, se os homens sobrevivem, as mulheres são quase sempre sacrificadas. Apesar de saber o futuro trágico que a espera, Zetian alista-se no exército com apenas um objetivo: a vingança.
Graças à sua força psíquica excecional, Zetian sai vitoriosa do confronto e torna-se na Viúva de Ferro, juntando-se à elite de pilotos e fazendo par com Li Shimin, o piloto mais perigoso e controverso de Huaxia.
Agora que sabe do que é capaz, Zetian vai utilizar todas as armas para permanecer viva e lutar contra o sistema patriarcal que governa a sociedade e que despreza a vida das mulheres...»
Opinião
A desenfreada emergência de distopias no mercado literário é a prova inequívoca do seu sucesso. Importa, portanto, desmistificar o recente e recuperado magnetismo por este conceito. Será a insatisfação perante o ócio da actualidade a sua força motriz ou a consciência colectiva sensibilizada para uma catástrofe iminente? Em todo o caso, a contemplação do apocalíptico suscita terror e fascínio em igual medida, com a enfâse regularmente colocada na inércia posterior à instalação do caos. É neste terreno frágil que a mais pequena decisão pode mudar o rumo dos eventos, sobretudo se esta surgir de quem menos se espera.
Zetian é apenas mais uma jovem mulher de Huaxia, aprisionada num sistema opressivo liderado por homens. Ou assim parece. A sua verdadeira natureza esconde um plano de vingança e revolta prestes a ser accionado. Quando se alista para combater, o que invariavelmente resultará no seu próprio sacrifício, Zetian fá-lo com determinação, independentemente das consequências, já que nada tem a perder. Como protagonista, Zetian move a trama com ímpeto e fluidez, alcançando progressivamente maior dimensão. A linha ténue entre heroína e vilã foi um aspecto particularmente interessante, permitindo aproximá-la de uma perspectiva tão realista quanto imprevisível. Porém, é perceptível que a rápida sequência de acontecimentos oprime o espaço de crescimento desta personagem, comprometendo tanto a sua consistência como a definição das suas relações interpessoais. Da mesma forma, os restantes intervenientes beneficiavam de mais oportunidades para demonstrar o seu valor, particularmente Li Shimin, o mais intrigante entre eles.
A instalação do enredo num misto paradoxal de China imperial e futurista é o elemento mais distintivo. Retomam-se os valores tradicionais e intransigentes que se opõem à mudança exigida pelos tempos, frisa-se o fosso social existente entre a pobreza dos povos rurais e a extravagância dos afortunados da metrópole, porém é com um toque de ficção científica que a obra marca a sua originalidade. O exército dispõe de máquinas que se transformam, as Crisálidas, movidas a energia vital, o qi, proveniente dos pilotos. Juntamente com outros elementos aliciantes, formam uma base que, apesar de ambiciosa, não concretiza em pleno o seu potencial. A construção de um mundo ficcional, mais ou menos complexa, deve ser autoexplicativa para demonstrar funcionalidade e coerência, o que aqui, por vezes, falha. Não duvido, ainda assim, que a continuação desta história preencha essas lacunas, fundamentais para assegurar uma maior robustez narrativa.
O objectivo primordial de Zetian e, por conseguinte, deste livro, prende-se com a afirmação e a sublimação do feminino. Além de Zetian, outras mulheres fazem parte da narrativa e imprimem esta noção através das suas distintas circunstâncias. A mensagem é transmitida com eficácia, não obstante teria sido agradável encontrar maior sinergismo entre as figuras femininas (e masculinas) neste propósito comum. Tal pode não ter sucedido por Zetian personificar uma rebelião mais individual que colectiva ou simplesmente por ser a única dotada de ousadia para tal. Por outro lado, importa notar que esta temática se desenvolve paralelamente a outra agenda crucial: a batalha de Huaxia com os Hunduns. A derrota de um sistema patriarcal torna-se redundante face à invasão alienígena que ameaça aniquilar toda a humanidade. Já aqui privilegia-se o secretismo, pouco se conhecendo acerca das origens e idiossincrasias de tais criaturas. É, de facto, um mistério bem delineado que se adensa ao longo das páginas, culminando numa revelação triunfante e inesperada. Penso que este é o aspecto mais bem conseguido da narrativa, encerrando enorme potencial caso seja apropriadamente direccionado.
Com uma prosa acessível, algo vertiginosa, bem executada e encadeada, Zhao consegue captar continuamente a atenção do leitor oferecendo reviravoltas e contradições oportunamente posicionadas. Na verdade, a forma como o livro é conduzido quase sempre oblitera a necessidade das peças necessárias para uma maior compreensão deste universo. Ao aceitar prontamente este facto, a leitura torna-se uma experiência mais enérgica e recreativa, como que uma viagem cinematográfica por um período atribulado num cenário em que questões intemporais o aproximam inadvertidamente da nossa própria realidade.
Apesar de algumas arestas por limar, Viúva de Ferro tem um resultado globalmente satisfatório. A força da sua protagonista e o estilo frenético da narrativa são qualidades que justificam o investimento nesta leitura envolvente que, acredito, guarda para breve os seus melhores trunfos.
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