O quarto de Giovanni


Título original: Giovanni's Room
Autor: James Baldwin
Nº de páginas: 192
Editora: Penguin Random House
Chancela: Alfaguara

Sinopse
«David, um jovem nova-iorquino, vive ao sabor dos dias em Paris, cidade onde procura tomas rédeas da vida enquanto a noiva passa uma temporada em Espanha. Numa noite de farra num bar clandestino, David conhece Giovanni, um barman italiano, luminoso, sedutor, impertinente, e sente-se irremediavelmente atraído. Os dois homens entregam-se a uma relação intensa, confinada ao quarto de Giovanni, com a nuvem do retorno iminente de Hella a pairar sobre os amantes.
Um postal anuncia o inevitável: a noiva estará de volta a Paris. O regresso exige que David escolha entre a normalidade de uma vida segura com Hella e a incerteza de um futuro ao lado de Giovanni, todo ele coração, força e instinto. A decisão do americano culminará numa tragédia inimaginável.
Impregnada de paixão, arrependimento e desejo, esta é a história de um trágico triângulo amoroso. E uma obra de culto merecido, que questiona a identidade de vários ângulos. Ao publicá-la em 1956, Baldwin quebrou mais do que um tabu: era um escritor negro a escrever sobre o amor entre dois homens brancos. O seu editor aconselhou-o a queimar o manuscrito, mas volvido este tempo O quarto de Giovanni é uma das obras mais célebres de Baldwin.»

Opinião
David aquieta-se perante o seu reflexo na janela. Através dela, vislumbra o tempo que passa na sua incessante missão. Confronta a inocência do passado com a verdade do presente persistente na sua irrefutável implacabilidade. Os seus próximos passos poderão significar tudo ou nada, a par do caminho pautado pela dúvida. Nesta contemplação, David resgata o que de melhor e pior há em si numa tentativa final de redenção. Resume-se, assim, o fim de uma história que se esgotou no seu princípio, passando por um quarto onde a chama não triunfou sobre a penumbra que, silenciosa, se imiscuiu das paredes para a pele, oprimindo carne e ser até a total extinção da luz.

Ao fazer uso da memória, a narrativa desenlaça-se pelos eventos cruciais da vida de David. Partindo das atribuladas origens nova-iorquinas para um novo mundo além Atlântico, a dor dos traumas e a opressão da intransigência dão lugar à descoberta livre de compromisso. Ao conhecer Giovanni, David inicia instintivamente o seu processo de reconhecimento pessoal, porém acompanhado de uma consciência dilacerante e omnipresente que nem a distância pode suprimir. Este constante dilema, que é o cerne da personagem, é também o leme da obra que alternadamente aporta entre a aceitação e a negação num mar de melancolia. Giovanni, por sua vez, é o contraponto, a beleza súbita que empresta cor à paleta sombria vigente, apesar de, também ele, florescer na amargura. Juntos exploram as potencialidades de uma vida baseada na honestidade, em que a entrega individual, sendo desigual, inevitavelmente condena a hipótese de felicidade. O triângulo completa-se com Hella, noiva de David, uma presença intermitente que representa convencionalidade, pudor e estabilidade, valores que assombram David e inviabilizam a sua libertação.  

Baldwin circunda, sobretudo, a temática da sexualidade. Contudo, importa reflectir que evoca muitos outros temas que lhe são íntimos, nomeadamente as questões de identidade, masculinidade, livre arbítrio, solidão, culpa e preconceito, numa análise profunda e intrincada da condição humana. Nestes termos, a tentativa de realização pessoal transforma-se numa crise existencial que se perpetua indefinidamente na rejeição do eu, incapaz de subsistir enquanto uma das suas partes coabita em dissonância com as restantes, arrastando-as num incontornável ciclo de aniquilação.  

Percorrida por uma elegância pungente, a narrativa é robusta e brutal na sua essência. O relato na primeira pessoa imprime um significado particularmente relevante pela vulnerabilidade e pela crueza com que é exposto, o que em certa medida dificulta a leitura. Ainda assim, o livro revela-se belo no seu todo ao enfeitiçar o leitor no seu embalo pelas ruas da Paris soturna e decadente onde se pode encontrar mais do que a imaginação se atreve. 

Por tudo isto, O quarto de Giovanni constitui uma obra magnífica, rara na sua composição e estilo. É, de outro modo, o quarto obscuro que se esconde nos recônditos da nossa mente, ávido pelo calor de ser habitado. Baldwin conclui que, independentemente das circunstâncias, podemos fugir de tudo e de todos excepto de nós mesmos.

Comentários