O Grande Amor da Minha Vida


Título original: The Bronze Horseman
Autora: Paullina Simons
Nº de páginas: 688
Editora: ASA

Sinopse
«Tatiana vive com a família em Leninegrado. A Rússia foi flagelada pela revolução, mas a cidade mais cosmopolita do país guarda ainda memórias do glamour do passado.
Bela e vibrante, Tatiana não deixa que o dramatismo que a rodeia a impeça de sonhar com um futuro melhor.
Mas este será o pior e o melhor dia da sua vida.
O dia fatídico em que Hitler invade a Rússia.
O dia assombroso em que conhece aquele que será o seu grande e único amor.
Quando Tatiana e Alexander se cruzam na rua, a atração é imediata. Ambos sabem que as suas vidas nunca mais serão as mesmas.
Ingénua e inexperiente, Tatiana aprende com o jovem soldado os prazeres da paixão e da sensualidade. Atormentado pela guerra e pela incerteza quanto ao futuro, Alexander descobre a doçura dos afetos.
E, enquanto as bombas caem sobre Leninegrado, eles vivem um amor que sabem ser eterno mas impossível. É um amor que pode destruir a família de Tatiana. Um amor que pode significar a morte de todos os que os rodeiam.
Ameaçados pela implacável máquina de guerra nazi e pelo desumano regime soviético, Tatiana e Alexander são arremessados para o vórtice da História, naquele que será o ponto de viragem do século XX e que moldará o mundo moderno.»


Opinião
Todos os bons romances têm algo em comum que, na maioria dos casos, se torna a sua essência: uma boa história de amor protagonizada por personagens sólidas. O que, de facto, distingue os bons romances é o que o autor consegue criar para além do contexto romântico, ou melhor, o modo como o autor encaixa o romance num cenário mais construtivo de maneira a que haja algo mais para além disso, que provoque outro género de sentimentos no leitor. Dito isto, não consigo deixar de referir o meu desagrado quanto ao título optado pela nossa editora. Este livro é muito mais que uma história de amor, mesmo sendo um grande amor. A influência que o russo Pushkin tem sobre esta história é significativa, não uma mera referência à sua existência. O Cavaleiro de Bronze (um dos seus mais aclamados poemas) é a alma deste livro e o título - não subtítulo - que exclusivamente lhe pertence por direito.

Fora este aparte, O Grande Amor da Minha Vida está repleto de qualidades notórias e particularidades impressionantes que fazem desta uma história grandiosa, tocante em todos os sentidos. Com o pano de fundo a destacar uma Rússia comunista à beira de um dos maiores conflitos que a humanidade já presenciou, somos inseridos no seio de uma família comum, modesta e numerosa da qual faz parte a jovem Tatiana. Desde o momento em que se apresenta, Tatiana não larga o leitor até à última página. Tatiana é apenas uma criança quando no dia 22 de Junho de 1941 a Alemanha invade a Rússia, catapultando inesperadamente este país para a sanguinária Segunda Guerra Mundial. A partir desse dia, tudo muda para Tatiana e para os milhões de cidadãos russos que se vêm confrontados com a necessidade de combater pelo país, pela pátria do camarada Estaline. É, no entanto, no cenário mais obscuro que surge uma luz protectora. Alexander, um soldado do Exército Vermelho, encontra Tatiana na mais banal das ocasiões. É o acaso do destino que cruza as suas vidas de uma maneira irreversível, ligando-os por um fio invisível mas imutável à espera de ser fortalecido pelo tempo e pelas palavras. Porém, as circunstâncias que se afiguram são demasiado controversas para serem desprezadas, e o amor que poderia crescer livremente fecha-se à volta de inúmeras paredes cheias de obstáculos, uns que apenas o tempo e o espaço podem transformar, outros que são simplesmente intransponíveis. O que se verifica é, apesar disso, que em tempos de guerra, não há vitórias ou derrotas impossíveis. Há lutas que devem ser travadas e destinos a serem cumpridos, sem faltarem boas ou más surpresas que ninguém pode revogar.

Nesta complexa história, as personagens são aquilo que faz a diferença. A brevidade de algumas é tão marcante quanto a longevidade de outras, mas são duas figuras que, por razões óbvias, se destacam das restantes. Tatiana é o motor do livro, portanto a pessoa que faz mover a seu ritmo a atenção do leitor. Numa primeira fase, Tatiana é uma rapariga tímida, ingénua, mas com uma personalidade extremamente vincada, capaz de surpreender a qualquer momento. É, contudo, quando os tempos se tornam mais negros que a verdadeira Tatiana, ou uma Tatiana que ainda não existia e que pela força da necessidade se constrói, atinge uma maturidade invulgar numa rapariga de dezassete anos. Os acontecimentos que ocorrem à sua volta são cada vez mais degradantes, mas a sua alma fortalece-se com eles impedindo a todo o custo de se embrenhar na mesma apatia fulminada por uma resignação total à lenta destruição pessoal. Os horrores sentidos por Tatiana fazem-nos pensar nas nossas vidas, na sorte que nos foi concedida por nascermos numa época livre de certas incumbências que nenhum ser humano que se preze deve levar a cabo. A determinação e a esperança de Tatiana são a beleza perante o caos das bombas e da morte, permitindo-lhe passo a passo chegar longe numa jornada aparentemente inútil. Grande parte da sua força deve-se a Alexander, o soldado que mudou para sempre a sua forma de ver a vida. Alexander é alguém que também sofre, não só pelo presente mas também por um passado de dificuldades que teima em esconder para sua própria segurança, agora também a segurança de Tatiana. Com o decorrer do livro, torna-se evidente que Alexander é um homem de integridade absolutamente inabalável, sempre consciente da situação que o seu mundo atravessa - o que se revela nas suas acções e decisões. À medida que a relação de Tatiana e Alexander cresce e se transforma em puro amor, o clima da obra torna-se mais consistente, porém cada vez mais imprevisível e instável. A partir de certo ponto, falar de Tatiana é o mesmo que falar de Alexander, e o contrário igualmente verdade, por existir entre eles uma união que os cinge a um só corpo, a uma só mente. Esta entrega mútua é abismal e o seu encanto é, não obstante, ameaçado por outra personagem, Dimitri. Em várias passagens, o desenlace está num impasse e numa incerteza excruciante devido à intervenção de Dimitri, em quem a autora deposita toda a hipocrisia, ingratidão e maldade que pode existir num homem com graves inseguranças. Para além de Dimitri, muitas outras personagens secundárias interpõem-se e, à sua maneira, influenciam a vida dos protagonistas. Muitas são interessantes na medida em que fazem sobressair o que de melhor e pior existe nas relações entre humanos, principalmente a consistência de uma amizade ou de um laço familiar que, por força das circunstâncias, se encaminha para o desmoronamento. A construção progressiva de Tatiana e de Alexander é contrariada pela desconstrução das restantes personagens. Assim, no fim nada mais importa que esta dualidade, este homem e esta mulher cheios de um mundo de sentimentos e de cicatrizes causadas pela mágoa, mas também pela alegria.

A intervenção histórica neste livro é impressionante. Confere todo um dinamismo e realismo à história que a torna mais sentida. O que não falta na oferta literária são romances em tempos de guerra, e este poderia ter caído na banalidade em que a guerra é um mero cenário ilustrativo. Mas não. A guerra é profundamente demarcada no âmago das personagens e no decorrer do tempo e do espaço, sem no entanto ser o foco principal da narrativa. Existem detalhes que são, certamente, precisos e que revelam uma exaustiva pesquisa factual por parte da autora. Além disso, é com grande naturalidade que a acção se vai delineando pelas ruas de uma São Petersburgo transformada numa Leninegrado comunista, mais um trabalho notável por parte de Simons.

Ainda assim, uma das mais importantes características deste trabalho de Simons é ambiguidade da sua escrita. Em geral, é uma escrita coerente, apelativa e fácil de entender, o que permite uma leitura fluída com alguma celeridade. Porém, tão depressa existe uma leveza e um cuidado em aliciar o leitor com palavras bonitas e diálogos encantadores como os capítulos se preenchem de uma crueza que, no mínimo, acaba por ser chocante. Nesta última vertente, a guerra que se vive e as suas repercussões são uma grande ajuda para atingir a sensibilidade do leitor. De facto, o leitor termina esta leitura indefinidamente sensibilizado, com uma sensação inebriante de um novo despertar para o mundo e para a vida que são tão preciosos, mas tão pouco valorizados.

Fome, morte, amor, luta e vida preenchem as mais de seiscentas páginas de O Grande Amor da Minha Vida. Percorrido por um tom épico, revolucionando o pensamento de quem lê com a conclusão de grandes acontecimentos, este primeiro volume define um estilo irreverente e aliciante, ideal para fazer desta uma trilogia muito promissora. Simons, mais que uma escritora que sabe como atingir o seu público, é uma criadora de personagens e de histórias magníficas. O descortinar das eventualidades que ficaram por esclarecer é muito aguardado e será, eventualmente, algo tão magistral quanto o amor sentido pelas duas almas que deram vida a este livro. 

Comentários

  1. Viva,

    Bem já não é o primeiro comentário que vejo a elogiar o inicio desta trilogia, fica debaixo de olho sem duvida ;)

    Excelente comentário ;)

    Abraço e boas leituras

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    1. Olá, Fiacha

      O livro é muito bom. Lê porque tenho a certeza que vais gostar!
      Obrigado pelo teu comentário!

      Abraço e boas leituras :)

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  2. É um livro excelente. O romance é frustrante até dizer basta, mas a componente histórica conquistou-me :D E apesar de toda a frustração, gosto muito da Tatiana e do Alexander

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    1. Olá :)

      Isso é verdade. Há ali momentos em que até enerva, parece que não há modo de desenvolver a coisa. Mas acho que é isso que impele a leitura, o querer saber o que vai acontecer com os protagonistas. E sim, são boas personagens!

      Obrigado e boas leituras!

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