Filha do Sangue



Título original: Daughter of the Blood
Autora: Anne Bishop
Nº de páginas: 384
Editora: Saída de Emergência 
Colecção: Bang!

Sinopse 
«O primeiro livro da trilogia das Jóias Negras. 
Há setecentos anos atrás, num mundo governado por mulheres e onde os homens são meros súbditos, uma Viúva Negra profetizou a chegada de uma Rainha na sua teia de sonhos e visões. Agora o Reino das Sombras prepara-se para a chegada dessa mulher, dessa Feiticeira que terá mais poder do que o próprio Senhor do Inferno. Mas a Rainha ainda é nova, passível de ser influenciada e corrompida. E quem controlar a Rainha controlará o mundo. Três homens poderosos - inimigos de sangue - sabem isso. Saetan, Lucivar e Daemon apercebem-se do poder que se esconde por trás dos olhos azuis daquela menina inocente. E assim começa um jogo cruel, de política e intriga, magia e traição, onde as armas são o ódio e o amor. O preço pode ser terrível e inimaginável.»

Opinião
As obras de fantasia têm a difícil tarefa de transportar o leitor para um mundo que, embora não sendo real, deve canalizar uma percepção de máxima credibilidade a quem lê. Esta proeza, por vezes facilmente conseguida, outras nem tanto, revela acima de tudo a capacidade primordial do autor como contador de histórias, a meu ver independente da maior ou menor complexidade do mundo que nos apresenta. É também esta característica que torna um livro de fantasia, mais do que algo forjado a partir da imaginação, uma forma de arte. Anne Bishop é seguramente uma hábil artista nesta função e Filha do Sangue é a sua obra de arte ainda em bruto.

Numa semelhança rebuscada com um universo mágico medieval, a acção decorre entre três reinos, cada um com o seu conjunto próprio de personagens. Torna-se claro que existem ligações entre eles, porém com restrições. O conhecimento dos reinos, bem como particularidades relacionadas com a concepção deste universo e das próprias personagens, não é devidamente aprofundado neste volume. Na verdade, poder-se-á comparar esta leitura à evocação de uma memória que, na sua indiscutível veracidade, se apresenta vaga e estilhaçada. A autora oferece curtas e insuficientes explicações sempre envoltas num toque de mistério, pelo que se termina Filha do Sangue com a estranha sensação de não ter compreendido como aconteceu aquilo que realmente aconteceu. A beleza em tudo isto é que, por um lado, a história consegue ser credível na sua indefinição e, por outro, o desejo de obter respostas é cada vez maior.

Com um vasto grupo de personagens que lentamente vão sendo introduzidas, há algumas delas que sobressaem quer pelo destaque na narrativa, quer pela sua originalidade. Jaenelle é a mais interessante e cativante, uma menina misteriosa repleta de segredos e detentora de uma paradoxal inocência que esconde um colossal poder sob uns olhos azuis penetrantes. Daemon é um Príncipe dos Senhores da Guerra, sedutor e malévolo, essencialmente deturpado pela infelicidade de uma vida que não escolheu e que o forçou a ser implacável. Outra figura de grande relevância é Saetan, o Senhor Supremo, temível e sábio, tendo um papel fundamental como interveniente directo e indirecto da acção. Ainda importa frisar o impacto de personagens como Surreal, Cassandra, Lucivar e Tersa. Esta é uma narrativa que vive, em grande parte, à custa das personagens e do seu íntimo, pelo que são um dos aspectos fulcrais da obra.

A prosa em si é aliciante, embora altamente complexa. Bishop teceu um imaginário único de difícil apreciação num primeiro contacto. Com a falta de sustentação - que certamente chegará com os próximos volumes - é evidente que haja ocasionalmente algumas incoerências. Apesar disso, é impossível não avançar nas páginas e absorver todo o conteúdo fascinante e enigmático que brota com tamanha veemência. Os capítulos curtos e a escrita melódica de Bishop permitem uma sôfrega leitura que termina num ápice.

Importa ainda salientar duas particularidades interessantes. A primeira prende-se com o facto deste mundo ser essencialmente feminino, isto é, as mulheres são o elemento imperioso que rege a sociedade, sendo os homens meros súbditos que se curvam à sua vontade. Além disso, achei uma aposta inteligente não haver explicitamente uma tendência ética ou moralista inerente às personagens. Estas são impreterivelmente humanas, tendo virtudes e defeitos e, por isso, não pertencem nem ao bem nem ao mal. São justamente as suas decisões e acções que as transformam e condicionam a sua verdade.

Filha do Sangue abre, assim, caminho para uma saga que se prevê surpreendente a todos os níveis. Preenchida de misticismo e de um carácter muito próprio, esta primeira parte eleva bem a fasquia para o próximo volume. Com personagens ricamente elaboradas e a voz de um autora arrojada, esta é uma inovadora interpretação do fantástico que possui todos os ingredientes para funcionar e atingir uma qualidade admirável. 

Comentários

  1. Sou fã da Anne Bishop e comecei justamente com este livro, "Filha do Sangue". Na altura fiquei tão encantada com a história que li a trilogia de rajada e só sabia debitar elogios, agora compreendo que estive bastante cega quanto a certas incongruências na história e falta de desenvolvimento de algumas personagens. Não vou dar spoilers, mas Anne Bishop mesmo sendo uma grande contadora de histórias de darkfantasy deixa sempre algo por dizer, se de propósito ou não só ela saberá nos dizer...
    Mundo da Fantasia

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    Respostas
    1. Sónia,

      Fiquei bastante cativado por este primeiro livro e sinto que, mesmo que muitas respostas fiquem por dar, esta saga já ganhou pelo elemento da diferença. Veremos como continua. O entusiasmo ficou bem presente.
      Obrigado pelo comentário! Boas leituras!

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