A Biblioteca da Meia-Noite


Título original: The Midnight Library
Autor: Matt Haig
Nº de páginas: 336
Editora: 20|20 Editora
Chancela: Topseller

Sinopse
«Se pudesses escolher a melhor vida para viver, o que farias?
No limiar entre a vida e a morte, depois de uma vida cheia de desgostos e carregada de remorsos, Nora Seed dá por si numa biblioteca onde o relógio marca sempre a meia-noite e as estantes estão repletas de livros que se estendem até perder de vista. Cada um desses livros oferece-lhe a hipótese de experimentar uma outra vida, de fazer novas escolhas, de corrigir erros, de perceber o que teria acontecido se tivesse escolhido um caminho diferente. As possibilidades são infinitas e vários horizontes se abrem à sua frente.
Mas será que algum desses caminhos lhe proporciona uma vida mais perfeita do que aquela que conheceu? Na altura da escolha final, Nora terá de olhar para dentro de si mesma e decidir o que de facto lhe preenche a vida e o que faz com que valha a pena vivê-la.
A Biblioteca da Meia-Noite transformou-se num bestseller a nível internacional, com um milhão de livros vendidos em todo o mundo.»

Opinião
Viver outra vida que não a nossa é o desejo mais antigo e frívolo da humanidade. Querer ser o outro, estar noutro lugar, refazer passos, ter sempre mais, atingir o intangível. Esta ambição pode ser inócua, mas não deixa de denotar uma noção de banalização do fracasso. A insatisfação permanente que daí se gera alicia-se à angústia que é, quase sempre, injustificada e que lentamente nos consome. Qual, então, o motivo para sentir esta necessidade de negligenciar a nossa própria existência em detrimento de outra idealmente melhor mas irreal?

Uma das possíveis respostas é que se vive à sombra dos outros, como Nora bem exemplifica na sua pacata e melancólica vida de trabalhadora local numa cidade, só por si, taciturna. Discreta, quase invisível, Nora aparta-se dos tempos áureos de adolescente promissora para um presente que é ausente de propósito. O que a conduziu até esse ponto resume-se a um conjunto de acontecimentos infelizes e arrependimentos que não pode apagar. Vulnerável por frustrar as expectativas quer pessoais quer alheias, Nora depara-se num impasse que aponta para um desfecho trágico. Assim seria, não fosse Nora surpreendida pela Biblioteca da Meia-Noite.

O conceito deste livro não é inovador. Múltiplos exemplos podem encontrar-se na história da cultura sobre vidas paralelas onde se concretizam os mais improváveis desejos. Porém, a forma como Haig explora todas essas possibilidades sem arriscar a monotonia e a repetição é algo fenomenal. A imagem de ir parar a uma biblioteca com livros sem fim após a morte é, no mínimo, excitante, atendendo ao facto de que cada livro permite experimentar uma variação da vida original - um reforço elegante à capacidade que os livros têm de nos fazer viajar. A particularidade de cada viagem assim empreendida por Nora, bem como o conhecimento que daí resulta, é evidente e tem a sua pertinência no mapa global. Além disso, de cada vez que se afigura uma nova realidade, novos aspectos da vida de Nora são colocados em xeque. Daí surgem diferentes ponderações e reflexões, sempre confrontadas com a sua verdadeira existência. Gradualmente, a consciencialização magnifica-se perante uma Nora cada vez mais sensata e receptiva ao que este estranho limbo tem para lhe oferecer. 

É, pois, em Nora e na sua evolução que recai toda a robustez desta obra. Mas Nora não é mais que uma representação de cada um de nós e, por extensão, dos nossos medos, inseguranças, sonhos e, sobretudo, arrependimentos. Tal como em frente a um espelho, revemo-nos nas suas acções e pensamentos, analisando minuciosamente o nosso ser também em busca do que poderia ser diferente. É, com espanto, que o jogo se vira para revelar que o objectivo não está em olhar para o que falta, mas sim para o que já existe. Afinal, todos somos potencial por cultivar. Basta termos predisposição para tal.

Narrada com simplicidade e assertividade, é com facilidade que se acompanha os vários passos desta história. Apesar disso, em momento algum é negligenciada a sua força motriz: a depressão que afundou Nora no abismo. O tom de seriedade progride, à medida que Nora procura por significados mais profundos. Como consequência, não se trata de uma leitura propriamente leve e fluída como inicialmente é esperado. A experiência pessoal de Haig com a saúde mental é claramente fonte de inspiração para demonstrar as dificuldades que irrompem da vivência num mundo onde a esperança se desvanece.

Quanto ao desfecho, este é previsível, embora cheio de sentido e bem formulado. Após os díspares caminhos percorridos, o derradeiro momento afronta-se e a sua resolução é exigida com urgência. Tal como algures é citado Sartre, a vida começa do outro lado do desespero. Talvez a energia contida num réstia de desespero poderá ser a chave para finalmente despertar.

Conseguindo o equilíbrio certeiro entre a ficção e a auto-ajuda, A Biblioteca da Meia-Noite é, através da sua figura central, uma relato profundamente introspectivo. Haig oferece preciosas lições de vida que, embora toquem num território clichê, necessitam de ser recordadas de tempos a tempos precisamente porque tendem a cair no esquecimento. Um livro revigorante que cumpre o propósito de nos alertar para a bênção que é estar vivo. Chegou a meia-noite. De que estamos à espera?

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